No mês do médico CFM homenageia personalidades com entrega de comendas
Os médicos Armando Bezerra, Adib Jatene e José Raul Matte recebem na noite de hoje a honraria que destaca seus desempenhos éticos e compromissos com a sociedade e a Medicina.
BRASÍLIA [ ABN NEWS ] — Nesta quarta-feira (24), acontece solenidade no Conselho Federal de Medicina (CFM), em Brasília, quando serão entregues três comendas em homenagens a médicos que se destacaram em diferentes áreas de atuação e do conhecimento. Armando Bezerra, Adib Jatene e José Raul Matte são os destaques da noite.
As honrarias, criadas em 2011 pelo plenário do CFM, ressaltam o desempenho ético e compromisso social e com a Medicina por profissionais ou instituições no esforço de construção de uma sociedade mais justa e um mundo melhor. As comendas são outorgadas sempre em outubro como parte das comemorações do Dia do Médico.
No ano passado foram homenageados os médicos Ivo Pitanguy, Hésio Cordeiro e Ricardo Paiva. A eles, foram outorgadas, respectivamente, as comendas Moacyr Scliar, de Medicina, Literatura e Arte; Sérgio Arouca, de Medicina e Saúde Pública; e Zilda Arns Neumann, de Medicina e Responsabilidade Social.
Na trajetória e contribuições oferecidas pelos homenageados deste ano, todos se destacam pela forma apaixonada com a qual se entregaram aos projetos que mudaram suas vidas e as vidas de muitas pessoas.
Conheça a trajetória dos contemplados
COMENDA MOACYR SCLIAR
Armando Bezerra
Armando Bezerra é um natalense nascido no século passado, em julho de 1945. Como faz questão de ressaltar “é da paz”, pois veio ao mundo duas semanas antes do término da II Grande Guerra.
Bisneto, neto e filho de médicos, atribui esta curiosidade ao fato da sua família ser portadora do gene da falta de criatividade. Estudou Medicina na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), onde conheceu Vera Lucia, também acadêmica de Medicina, com quem veio a se casar no dia da formatura, 10 de dezembro de 1971.
O casal logo se mudou para Brasília, onde dedicaram tempo e paixão às suas residências. Na capital do país, nasceram os filhos: Alexandre (radiologista), Ricardo (professor de Anatomia Humana na UnB) e Ana Cristina (endocrinologista-pediatra). Nasceram também seus netos: Beatriz, hoje com cinco anos, e que será pediatra, e Daniel, com dois anos, e que será neurocirurgião, conforme as previsões dos avós.
Na busca pelo aperfeiçoamento profissional, Armando Bezerra foi longe. Entre 1975 e1976, residiu em Londres onde estagiou no Departamento de Anatomia do Guy`s Hospital Medical School. Pouco depois, foi a São Paulo, onde cursou mestrado em Morfologia, na Escola Paulista de Medicina. Nos Estados Unidos, desenvolveu parte de seu doutorado no Medical College of Ohio, em Toledo, onde analisou as cordas tendíneas da valva mitral.
Por 20 anos, Armando lecionou Anatomia Humana no curso de medicina da Universidade de Brasília (UnB), onde ocupou, entre outros, os cargos de Decano de Assuntos Comunitários e de Diretor Adjunto de Ensino e Pesquisa do Hospital Universitário de Brasília (HUB). Posteriormente, recebeu convite para lecionar na Universidade Católica de Brasília onde foi o primeiro diretor do Curso de Medicina.
No decorrer de sua vida médica em Brasília, se impôs a paixão pela leitura e a pesquisa sobre obras de arte relacionadas com a medicina. Paralelamente ampliou seus estudos sobre história da medicina, literatura, religião e mitologia.
Durante os dez anos que atuou como membro do Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal (CFM-DF), escreveu e publicou os livros Admirável Mundo Médico, As Belas Artes da Medicina e Medicando com Arte. Os três são considerados referência para quem cultiva uma paixão pelo tratamento sensível e humano que as artes dedicam às ciências médicas.
Armando Bezerra também participou da tradução para o português das obras Tratado de Anatomia de Latarjet e Anatomia da Criança, de Edmund Crelin, este último possivelmente o primeiro livro sobre anatomia pediátrica publicado nos Estados Unidos.
Além destes trabalhos, é autor de capítulos de livros e de artigos publicados em revistas científicas, entre estes, um sobre a vida e obra do mais famoso anatomista francês Léo Testut, publicado no Bulletin de L`Associacion des Anatomistes (1991).
Sócio Honorário e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Anatomia, Armando Bezerra ainda é membro da Academia de Medicina de Brasília. Para este amante das obras de Frida Kahlo e de Van Gogh, o reconhecimento alcançando pelo seu trabalho é um estímulo para continuar fazendo da medicina a arte de salvar a vida e um instrumento para servir a Deus.
COMENDA SERGIO AROUCA
Adib Domingos Jatene
Filho de um seringueiro libanês que morreu de febre amarela quando tinha apenas dois anos, Adib Jatene saiu de Xapuri, no Acre, para se tornar um dos mais importantes médicos brasileiros. Reconhecido por sua competência técnica, este cirurgião torácico, cardiologista e inventor de métodos e equipamentos também se notabilizou pela luta incansável em prol de uma assistência de qualidade para todos os brasileiros.
Dedicado e estudioso, formou-se em medicina aos 23 anos pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, fazendo residência e sua pós-graduação no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Um de seus primeiros mentores foi o professor Euclides de Jesus Zerbini (1912-1993), pioneiro dos transplantes de coração no país.
Desde a década de 50, Adib Jatene apostou no desbravamento de fronteiras do conhecimento médico. Construiu modelos de coração-pulmão artificial e, em São Paulo, organizou um laboratório experimental e de pesquisa, que evoluiu para o mais credenciado departamento de bioengenharia do Brasil.
Ele também inovou no campo da cirurgia ao desenvolver técncias de revascularização do miocárdio e da cirurgia de cardiopatias congênitas, inclusive criando uma para o tratamento da transposição das grandes artérias em recém-nascidos, hoje conhecida como Operação de Jatene, de prática mundial.
Conhecido e respeitado internacionalmente, embora nunca foi filiado a nenhum, por seu enorme prestígio e competência ocupou cargos importantes na vida política nacional. Foi Secretário Estadual de Saúde do Estado de São Paulo (1979-1982) e duas vezes Ministro da Saúde do Brasil (8 meses: 1997-1998) durante o governo de Fernando Collor de Mello e (22 meses: 1995-1996) no governo de Fernando Henrique Cardoso.
Como ministro mostrou preocupação permanente em disciplinar e sanear o Sistema Único de Saúde. Preocupado com o financiamento da saúde pública, lutou pela criação da Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF), cujo volume de recursos arrecadados deveria ser aplicado no setor. Infelizmente, outros setores da gestão federal comprometeram o êxito da proposta.
Membro da Academia Nacional de Medicina, é autor e co-autor de cerca de 700 trabalhos científicos publicados na literatura nacional e internacional. Também faz parte de mais de 30 Sociedades Científicas de várias regiões do mundo e recebeu quase duas centenas de títulos e honrarias em vários países.
Nos últimos anos, tem se dedicado à luta por um ensino médico de qualidade no Brasil. Como responsável por uma Comissão criada no âmbito do Ministério da Educação, visitou dezenas de escolas médicas, avaliando suas estruturas e, em muitos casos, recomendando a aplicação de sanções a estes estabelecimentos.
Atualmente, casado com Aurice Biscegli Jatene, mora com ela em uma fazenda em Itajobi, interior de São Paulo, onde emprega 20 famílias e mantem uma creche. O casal tem quatro filhos: três médicos (Fabio, Ieda Jatene e Marcelo Jatene) e uma arquiteta (Iara).
COMENDA ZILDA ARNS NEUMANN
José Raul Matte
Medicina também é um exercício de fé. Que o diga José Raul Matte, que saiu da Universidade Federal do Paraná (UFPR), em 1959, para construir uma trajetória que conjuga de forma isonômica conceitos como esperança, solidariedade, justiça social e amor.
Tal compromisso resulta da junção de duas vocações: a da Medicina, que atualmente ele exerce nas regiões ribeirinhas do Amapá, e da vida religiosa, abraçada com sua ordenação, em 1967, como padre da Congregação Camiliana.
Aos setenta e oito anos, dos quais 53 dedicados à Medicina, o pediatra José Raul Matte ainda fala com muita paixão sobre o trabalho realizado na Região Amazônica. O entusiasmo vem da satisfação que possui em atender a população carente, levando-lhes o acesso a diagnósticos e tratamentos, assim como ao conforto espiritual.
Nem o Amazonas, o maior rio do mundo, é capaz de barrar José Raul Matte. Semanalmente, sem temer tempestades ou águas agitadas, ele adentra a floresta para levar sua mensagem e seu cuidado a milhares de pessoas.
Apesar de toda a intimidade com as particularidades locais, o médico homenageado nasceu em Curitiba (PR), milhares de quilômetros distante da realidade que enxerga todos os dias. Segundo ele, a aventura se confirmou em 1959, quando após deixar a faculdade de Medicina foi conhecer o seminário dos Camilianos.
Nesse momento, relata que teve a convicção de que queria dedicar sua vida à ajudar os mais pobres e necessitados. Sem nunca abandonar a Medicina, se formou em Teologia e se tornou padre, sendo transferido para a Macapá, onde está até hoje, em 1972.
No extremo Norte do país, foi incumbido de trabalhar em um hospital particular, construído com o objetivo de atender os mais necessitados. Em 1975, a administração do local foi entregue aos camilianos. O médico, acompanhado por outros profissionais, passou a atender pessoas com hanseníase, doença comum até hoje na região.
A iniciativa recebeu ajuda da Cruz de Malta, que doou um barco para que se pudesse alcançar as comunidades mais afastadas. Desde a chegada da embarcação, foram centenas as missões realizadas levando apoio médico e espiritual. Além da população que vive às margens dos “igarapés”, o médico também visita as aldeias indígenas, localizadas em regiões de difícil acesso e que raríssimas vezes recebem a visita de profissionais da saúde.
Durante tantas décadas de atendimento, José Raul Matte colecionou histórias e aventuras. “Sinto-me como um barquinho solto na vastidão do Amazonas, mas pilotado por Deus”, fala com um sorriso de satisfação.
Tamanha dedicação tem chamado a atenção até no exterior. Em 2008, durante a comemoração dos 60 anos da Declaração dos Direitos Humanos, seu trabalho social rendeu a José Raul Matte o Prêmio Cardeal Van Thuân de Direitos Humanos, recebido das mãos do papa Bento XVI, no Vaticano.
Além dele, somente outros dois padres foram homenageados por realizarem um trabalho semelhante na África. Nem o tempo assusta José Raul Matte: apesar da idade, ele se mantem em plena atividade, cumprindo o que prevê o juramento de Hipócrates: “Em toda casa, aí entrarei para o bem dos doentes”.
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